sábado, 2 de março de 2013

Paulo Freire e seu método de alfabetização de adultos

O que Freire fez de tão revolucionário para ser referência no mundo?

Madalena Freire, filha de Paulo Freire, participando da alfabetização em Angicos/RN, em 1963 (Foto: divulgação)
Madalena Freire, filha de Paulo Freire, participa da alfabetização em Angicos/RN, em 1963 (Foto: divulgação)
Há mais ou menos 50 anos, um brasileiro visionário criou um método de alfabetização de adultos que mais que ensiná-los a ler e escrever em 45 dias, resgatava neles a coragem, a vontade e a força para participarem do mundo de forma crítica e consciente. Esse brasileiro foi Paulo Freire, educador pernambucano, filósofo, escritor, político e militante de causas sociais. “Ele elaborou uma teoria do conhecimento e procurou o sentido da educação, centrando suas análises na relação entre ‘educação e vida’, reagindo às pedagogias tecnicistas do seu tempo. A educação, para ser transformadora, precisa estar centrada na vida. Para ser emancipadora, necessita considerar as pessoas, suas culturas, respeitar o modo de vida deles”, conta Angela Biz Antunes, diretora de Gestão do Conhecimento do Instituto Paulo Freire.

Reunião do Conselho Nacional de Cultura, Ministro da Educação, Paulo de Tarso para discutir as estratégias para a execução do Plano Nacional de Alfabetização (Foto: divulgação)
Antes do golpe militar, reunião com Ministro da
Educação, para discutir as estratégias para a
execução do Plano Nacional de Alfabetização
(Foto: divulgação)
Quando criou seu método, Freire era diretor do Departamento de Extensões Culturais da Universidade do Recife. Inconformado com a exclusão e silenciamento de brasileiros, com o número de analfabetos no país, com o modelo de ensino que tratava adultos como crianças, que alienava estudantes e que só os distanciava da construção do conhecimento, ele resolveu propor algo para mudar. Criou um método sem cartilha, que desse voz ao aluno. Para testá-lo, partiu com um grupo para uma cidadezinha localizada no sertão do Rio Grande do Norte, Angicos, e alfabetizou 300 cortadores de cana em 40 horas-aula. Freire estimulava adultos a entenderem o funcionamento do registro escrito a partir do conhecimento deles, assumindo que o aprendizado (e a escola) acontece também fora das quatro paredes da sala de aula.
O método
Ele dividiu seu método em fases. Inicialmente, o educador explora junto com o adulto a ser alfabetizado quais palavras e temas são parte do universo vocabular do grupo. Por meio de conversas informais, seleciona aproximadamente 20 palavras geradoras. Discute o significado daquela palavra naquele contexto e amplia para outros significados. Depois, o educador mostra como as sílabas formam as palavras e como essas mesmas sílabas podem ser usadas para formar outras palavras conhecidas. Durante esse processo, todos conversam sobre o poder das palavras, para que os falantes possam se apropriar delas também no registro escrito sem distanciamento, donos delas. Nesse processo, discutem, além do abc, a compreensão do mundo, inspirando uma postura pela liberdade.
Os resultados do seu método foram testados no mundo todo, sendo adotado por diversas organizações não-governamentais que desenvolvem programas de alfabetização de adultos. É poderoso sem ser pretencioso, nasce da esperança de uma democracia onde todos tenham liberdade para se manifestar. “Paulo Freire foi denominado ‘guardião da utopia’ por Milton Santos. O legado que ele nos deixa, entre tantas contribuições, é um legado de esperança, de entender a educação como espaço de transformação social, que nos ajuda não só a ler a história, mas sermos também escritores da história, de entender que o ‘mundo não é; o mundo está sendo’, de não nos inscrevermos no campo do determinismo e sim no campo das possibilidades, onde há sempre lugar para o sonho e para a esperança”, fala Angela Antunes.
Lendo o mundo
Alfabetização de adultos em São Tomé usando o método freiriano (Foto: divulgação)
Alfabetização de adultos em São Tomé usando
o método freiriano (Foto: divulgação)
Para Vera Masagão, coordenadora geral da ONG Ação Educativa, a grande contribuição de Freire foi mostrar que o ler e escrever só tinha sentido quando o adulto entendia o sentido político do aprendizado, com essa nova visão de mundo para poder transformar sua realidade. “Ele propôs um método simples, de relacionar o aprendizado da escrita, com a leitura do mundo. Ao mesmo tempo que o sujeito aprendia as letras, ele aprendia a leitura do mundo. Para que aprendizagem faça sentido, o educando precisa se reconhecer como sujeito. Ele fazia antes o adulto se ver como um sujeito produtor, perceber que ele tinha conhecimento e que só faltava essa ferramenta do conhecimento letrado para ele conseguir transformar essa situação”, fala Vera Masagão.
Paulo Freire se mantém atual. “Na sociedade do conhecimento de hoje, isso é muito mais verdadeiro, já que o “espaço escolar” é muito maior do que a escola. Os novos espaços da formação (mídia, rádio, TV, vídeos, Internet, igrejas, sindicatos, empresas, ONGs, espaço familiar...) alargaram a noção de escola e de sala de aula. A educação tornou-se comunitária, virtual, multicultural, intertranscultural e ecológica, e a escola estendeu-se para a cidade e o planeta. Hoje se pensa em rede, se pesquisa em rede, trabalha-se em rede, sem hierarquias. Paulo Freire insistia na conectividade, na gestão coletiva do conhecimento a ser socializado de forma ascendente. Não se trata mais de ver apenas a ‘cidade educativa’ (Edgar Faure) mas de enxergar o planeta como uma escola permanente”, pontua Angela Biz Antunes.
Em abril deste ano, Paulo Freire recebeu o título de Patrono da Educação Brasileira pela Presidência da República. E não para por aí. Ele é doutor Honoris Causa por 27 universidades, tendo títulos das Nações Unidas, 1986, e da Organização dos Estados Americanos, 1992.
O Instituto Paulo Freire, fundado por ele mesmo em 1991/1992, nasceu com essa missão de promover esta educação emancipadora, combatendo todas as formas de injustiça, de violência, de preconceito, de exclusão, de degradação das comunidades e da vida humana, educando para a transformação social e a cidadania planetária. No Brasil, a rede freiriana já conta mais de 10 instituições disseminadoras, além de mais de 50 homenagens - escolas, bibliotecas, salas etc., que levam o nome de Paulo Freire. Seus livros são referências no mundo todo e adotados por faculdades de pedagogia. Atualmente, a rede freiriana no mundo está conectada em cerca de 90 países, ou por universidades, ou por pedagogos/estudiosos de Freire.

Instituto Paulo Freire
http://www.paulofreire.org/
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Tel: (11) 3021 5536