Reflexões sobre o estudo das Ciências Humanas na educação
básica
História e geografia estão intimamente relacionadas, uma
área é diretamente dependente da outra, não por acaso uma é considerada ciência
auxiliar da outra.
É interessante lembrar que ambas pertenciam à filosofia até
o século XVIII.
Foi dentro do contexto da Revolução Francesa que, os
iluministas, ao criarem a enciclopédia, iniciaram a subdivisão do conhecimento;
depois, no inicio do século XX, levada ao extremo pelo fordismo.
No entanto, apesar de diversos setores da geografia
constituírem pura história e de, inversamente, pressupostos teóricos e
metodológicos da história dependerem da geografia; o trabalho do historiador e
do geógrafo possui distinções marcantes.
Entretanto, em sala de aula, principalmente na educação
básica, história e geografia deveriam ser abordadas de forma mais integrada,
visando propiciar de fato a formação da cidadania, fortemente apregoada pela
LDB.
Alias, no âmbito das Ciências Humanas, não só a história e a
geografia deveriam fazer parte da formação do educando no ensino infantil e
fundamental, mas também a filosofia e a sociologia.
Estas duas ultimas, embora pertençam apenas aos currículos
do ensino médio, na realidade podem e devem estar inseridas nos conteúdos de
história e geografia na educação básica, inclusive porque são ciências
auxiliares destas áreas.
O que é história?
A história é a ciência que estuda o passado, analisando as
transformações para tentar entender o presente.
Neste sentido, ao resgatar o passado, permite conferir
sentindo para o presente, ajudando a transformar a realidade a partir de sua
compreensão, guiando rumo ao futuro.
Para Sócrates, na realidade Platão falando através do
personagem, a história seria pura memória circunscrita ao fato de conhecer.
Enquanto Aristóteles afirmou que a história seria uma
coletânea de fatos que guardam a memória.
Conceitos ultrapassados, pois atualmente a história trabalha
com a memória, mas vai muito além, envolve a interpretação dos fatos,
problematizações e até ideologias.
Seja como for, a palavra “história” tem origem grega,
significando investigação ou informação, tendo surgido no século VI a.C.
Foi utilizada neste sentido pela primeira vez por Heródoto
de Halicarnasso, considerado o pai da história.
Ele escreveu sobre as guerras entre gregos e persas,
tentando entender como os últimos haviam conseguido criar um Império,
entrevistando contemporâneos dos fatos e buscando relatos como fontes para
reconstruir os acontecimentos.
Afirma-se que Heródoto é o pai da história porque a partir
dele começou a mudar a lógica de pensamento humano, antes as explicações para o
presente tinham origem nos mitos.
Os mitos forneciam explicações divinas para aquilo que o
homem primitivo não conseguia explicar através da razão.
Mesmo depois de Heródoto, entre os romanos, por exemplo,
mitologias divinizavam a fundação da cidade de Roma, através da clássica
estória de Rômulo e Remo sendo criados por uma loba.
Na realidade, a História de Heródoto é um marco de
um longo processo de consolidação da racionalidade.
O qual se iniciou antes dele, com o surgimento da filosofia
no século VII a.C., questionando os mitos e as opiniões de senso comum.
Um processo que se estendeu até século XX, passando por
fases transformadoras.
É por isto que história e filosofia se confundiram até o
século XVIII.
Ambas tinham o mesmo objetivo: entender a realidade através
da observação do presente e do passado.
Cabe lembrar que, até o século XVIII, as várias áreas do
conhecimento humano pertenciam à filosofia e não só as Ciências Humanas, a qual
englobava também matemática, biologia e psicologia, embora não assim nomeadas.
A história, como a geografia, era só mais uma das
faces da filosofia, já que o conhecimento estava dividido em quatro grandes
áreas: Teologia, Direito, Medicina e Filosofia.
Somente a partir do iluminismo é que a história apareceu
como ciência autônoma.
O iluminismo pretendia iluminar o mundo com o conhecimento,
ilustrando e trazendo luzes a ignorância.
O que revolucionou o conhecimento a partir da sistematização
do saber através da enciclopédia, a subdivisão do conhecimento.
Assim, a história enquanto ciência surgiu a partir da
especialização do conhecimento, no século XVIII, bem como depois de se
embasamento metodológico no século XIX e XX.
Passando pelo cientificismo positivista, a escola metódica
alemã, a escola de Annales, a tendência marxista, a nova história, a história
das mentalidades, a história cultural, a micro-história e a história regional,
entre outras tendências.
Esta especialização fez com que a história passasse a se
ocupar do estudo dos fatos históricos, acontecimentos relevantes para o entendimento
das questões do presente.
Fatos que provocam rupturas ou que contribuem para
continuidades.
A análise e interpretação da história, o entendimento dos
processos de transformação e continuidades, além de utilizado para entender o
presente, passou a servir ao fomento de novas mudanças, ou ainda, inversamente,
para impedir qualquer mudança.
Dependendo dos interesses dos grupos dominantes, resgatar o
passado pode servir para criar um modelo que busque retrocessos, a adoção de
valores antigos.
Em contraponto, o resgate do passado pode servir também a
formação de uma nova identidade, manipulando as massas segundo os interesses de
determinados grupos.
Em outro sentido, a história pode ainda fornecer
probabilidades sobre o que esperar do futuro, embora não seja possível prever
com exatidão o que irá acontecer.
O que é geografia?
A geografia é a ciência que estuda a relação entre a terra e
seus habitantes, analisando tanto características físicas como humanas.
Portanto, ao estudar os aspectos físicos, observa a
superfície do planeta, a distribuição espacial dos fenômenos da paisagem e a
dinâmica de interação com a atmosfera e o universo.
No que tange aos aspectos humanos, estuda a integração e
relação estabelecida entre os homens (políticas sociais, culturais e
ideológicas) e entre estes e seu meio ambiente.
Como se pode observar, principalmente, no que diz respeito à
geografia humana, a relação da área com a história é óbvia, muitas vezes se
confundindo.
Destarte, os primórdios da geografia, como no caso da
história, remontam a antiguidade.
A palavra geografia surgiu no século III. a.C., criada pelo
filosofo Erastótenes, um estudioso que se dedicou também a astronomia, física e
matemática.
Etimologicamente, a partir do grego, geografia (geo +
grafia) significa estudo ou descrição da terra.
No entanto, alguns autores defendem a idéia que, antes ainda
da palavra ser criada, a geografia remonta aos primórdios da humanidade.
Quando os primeiros humanos precisaram observar o terreno
para preparar a defesa contra grupos rivais e ampliar o sucesso nas tentativas
de caça e, posteriormente, cultivo das terras.
Porém, pensada racionalmente, a geografia surgiu no século
VII a.C. com a filosofia, sendo objeto de reflexão de Tales de Mileto, Ptolomeu
e do próprio Heródoto.
Na antiguidade, devido às exigências requeridas pelas
guerras e comércio, a geografia criou uma de suas subáreas: a cartografia
(chartis = mapa + grapheim = escrita).
Palavra que a partir do grego simboliza o estudo e
utilização dos mapas.
Foram os romanos que aprimoraram inicialmente os mapas para
controlar seu vasto Império, o que depois foi complementado pelos árabes,
italianos e português devido às necessidades comerciais e navais.
Na Idade Média, quando muitos conhecimentos acumulados
na antiguidade foram trancados nos mosteiros e bibliotecas de circulação
restrita, os conhecimentos geográficos foram preservados pelos árabes.
Depois, dentro do contexto da intermediação de especiarias
pelas cidades italianas de Genova, Veneza e Florença; estes conhecimentos
retornaram a Europa e estiveram relacionados com o aprimoramento da navegação
no Mediterrâneo e, posteriormente, no Atlântico.
A geografia foi introduzida como disciplina nas primeiras
Universidades, mas não era considerada uma área autônoma, estando inserida na
filosofia.
A exemplo da história, a geografia só começou a ser
reconhecida como ciência no século XVIII, com a Revolução Francesa e o
Iluminismo.
Entretanto, seu reconhecimento completo, como conhecimento
cientifico, precisou aguardar o século XIX e XX.
Foi quando passou por quatro fases inteiramente relacionadas
com a geografia humana e a história.
No século XIX, influenciado pelo materialismo histórico de
Hegel e pelo marxismo, surgiu o determinismo geográfico.
Concepção segundo a qual o meio ambiente determina a
fisiologia e psicologia humana.
Teoria que serviu de justificativa para o domínio
neocolonial europeu sobre a África e Ásia, além do nazismo.
Na segunda metade do século XIX, surgiu a geografia
regional, o estudo integrado de elementos humanos e naturais para tentar
entender as características de determinada região e sua integração com o resto
do mundo.
Na metade do século XX aconteceu à chamada Revolução
Quantitativa, quando pressupostos matemáticos, estatísticos e econômicos foram
agregados a geografia para tentar entender a formação do panorama político.
Na década de 1970 apareceu na Europa a geografia radical,
também chamada critica por afirmar que os métodos estatísticos não trazem
contribuição para a compreensão da sociedade por mitificarem a realidade.
Segundo esta tendência seria papel da geografia repensar
questões sociais como o desenvolvimento do sistema capitalista, a globalização,
a disparidade entre ricos e pobres e questões relacionadas ao meio ambiente.
O que novamente fez história e geografia se aproximarem e,
na opinião de alguns teóricos, perderem seu sentido e identidade como
disciplinas autônomas.
No entanto, ao invés de representar o fim da história e da
geografia, a tendência pode resgatar o sentido original do conhecimento
humanista, significando maior integração entre as áreas.
Integração que, no caso da geografia, sempre foi estreita
também com a geologia e a botânica, trazendo a partir deste conceito a
sociologia e a filosofia para dentro da área.
O trabalho do historiador.
O historiador dedica-se a desvendar a realidade histórica, a
conhecer o passado através da investigação, buscando indícios, provas e
testemunhos para abordar problemáticas, relacionando fatos para encontrar as
razões de continuidades e rupturas no presente.
Embora o professor de história possa ser também um
historiador e vice-versa, exercem funções distintas.
Enquanto o professor de história transmite o conhecimento
acumulado, discutindo fatos previamente selecionados pelos historiadores; estes
últimos são responsáveis pela construção das narrativas históricas.
Neste sentido, apesar da tentativa de imparcialidade, o
trabalho do historiador é fabricar a historia.
É verdade que o historiador precisa fundamentar sua
narrativa do passado através de pesquisa, carecendo de fontes que confirmem
suas hipóteses; porém, enquanto sujeito histórico, não está isento de
concepções políticas e ideológicas que interferem na seleção de fatos e na sua
interpretação.
Diante de uma imensidão de dados, o historiador termina
ignorando alguns, enfatizando outros, compondo uma visão do passado dentre
inúmeras outras possíveis.
O que constrói os fatos que serão incorporados aos livros
didáticos.
Por isto, passa ser função do professor realizar uma critica
dos conteúdos, ao mesmo tempo em que transmite o saber acumulado pela
humanidade.
É função da escola formar não só sujeitos que conhecem e
dominam conteúdos, como também indivíduos críticos, capazes de questionar e
ajudar a reformular o conhecimento.
O trabalho do geógrafo.
O geógrafo é o responsável pelo estudo da interação entre o
homem e a natureza, fazendo parte de sua área de abrangência uma ampla gama de
subáreas e possibilidades.
Este profissional pode se dedicar, por exemplo, a elaboração
de mapas, trabalhando com cartografia, ou realizar analises do impacto
ambiental da interferência humana sobre a natureza, lidando com a ecologia.
Pode ainda interpretar questões de natureza política,
econômica e cultural para ajudar no entendimento e mapeamento das relações
estabelecidas entre regiões e/ou com o meio ambiente.
Portanto, o geógrafo possui um amplo mercado de trabalho
fora da sala de aula, podendo atuar em agencias publicas e privadas, em
instituições de planejamento e gestão ambiental e territorial, além de empresas
de engenharia, levantando dados essenciais para construção civil.
Exatamente por esta razão, este profissional, quando
bacharel, possui o direito de registro no CREA (Conselho Regional de
Engenharia, Arquitetura e Agronomia), subordinado ao Conselho Federal.
O que, muitas vezes, faz a maioria dos geógrafos optarem por
não lecionar, deixando as escolas desfalcadas, ao passo que professores de
história terminam preenchendo esta brecha.
Concluindo.
Pensando na história e na geografia, no âmbito das Ciências
Humanas, voltados para o ensino infantil e fundamental, este conhecimento se
torna essencial na formação de indivíduos críticos, contribuindo com a
construção da cidadania.
História e geografia, abordados de forma integrada, até
mesmo devido a sua proximidade e aos temas transversais que atravessam as duas
áreas, devem ajudar a se situar no mundo.
Ajudam as pessoas a entenderem a si mesmas e o mundo em que
vivem, criando consciência da necessidade de uma participação mais ativa na
sociedade e na caminhada rumo a um futuro melhor.
Entretanto, para que isto aconteça, cabe ao professor
abordar conteúdos de forma mais dinâmica, estimulando questionamentos ao invés
de fornecer respostas prontas.
Para saber mais sobre o assunto.
KARNAK, L. (org.). História na sala de aula. São
Paulo: Contexto, 2008.
PINSKY, C. B. (org.). Novos temas nas aulas de
história. São Paulo: Contexto, 2009.
CARLOS, A. F. A. A geografia na sala de aula. São
Paulo: Contexto, 2010.
Texto: Prof. Dr. Fábio Pestana Ramos.
Doutor em História Social pela FFLCH/USP.
Bacharel e Licenciado em Filosofia pela USP.
Para entender a história... ISSN 2179-4111. Ano 2,
Volume ago., Série 15/08, 2011, p.01-07.